Escolaridade dos pais ainda é determinante no percurso dos filhos


Estudo acompanhou jovens nascidos na década de 1990 e entrevistou-os em vários momentos. Percurso escolar ainda é muito influenciado pelos anos de escolaridade que os próprios pais conseguiram e pelo rendimento das famílias.

É jovem, tem 21 anos e 15 ou mais anos de escolaridade. Quem serão os seus pais? A pergunta, aparentemente, pode não fazer sentido. Mas a resposta mais comum, encontrada por um estudo que será apresentado nesta sexta-feira, ainda aponta para que este rapaz ou rapariga seja filho de um casal com um nível de escolaridade idêntico. Caso os pais tenham menos habilitações, então o mais provável é que este jovem tenha conseguido contrariar esse determinante social com mais leitura, estudo e desporto durante a adolescência. É também mais verosímil que seja uma rapariga.

“A classe social de origem e a educação dos pais ainda têm muito peso no percurso escolar dos filhos. A origem social ainda pesa muito, apesar de os filhos com ensino superior terem triplicado em relação aos pais que tinham chegado a esse nível”, resume ao PÚBLICO a socióloga Anália Torres, coordenadora do estudo Reproduzir ou Contrariar o Destino Social?. O trabalho será apresentado nesta sexta-feira na Fundação Champalimaud, em Lisboa, e faz parte do projecto Epiteen24 (Epidemiological Health Investigation of Teenagers in Porto).

A investigação da também professora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa contou com uma amostra de 2942 pessoas nascidas na década de 1900 e que em 2003/2004 frequentavam as escolas públicas e privadas do Porto. O grupo tem sido acompanhado e inquirido aos 13 anos, 17, 21 e agora 24 anos, com os investigadores a publicarem vários trabalhos ao longo deste período. Os dados recolhidos aos 21 anos já estão totalmente fechados e a equipa está a trabalhar os resultados obtidos aos 24 anos.

As conclusões do estudo antecipado ao PÚBLICO apontam, de forma clara, para que “uma parte substancial das diferenças no desempenho educacional está associada à escolaridade dos pais, o que sugere a continuidade de mecanismos de desigualdade de oportunidades num quadro geral de democratização da educação”. Anália Torres destaca que, independentemente da escolaridade, os rendimentos do agregado familiar também pesam, com as famílias com menos habilitações mas com mais orçamento a conseguirem levar os filhos mais longe na escola.

A propósito do peso dos pais nas diferenças encontradas, a investigadora exemplifica que a taxa de chumbos alcançou os 78% entre os jovens com menos anos de escolaridade e filhos de pessoas com menos habilitações. Entre os jovens com pelo menos 15 anos de escolaridade e filhos de pais com os mesmos anos de estudos a taxa de reprovação em algum momento do percurso escolar ficou-se pelos 1,6%. De destacar que nos inquiridos que conseguiram ultrapassar os pais com menos habilitações a taxa de chumbos cai para 12,9%.

Apesar disso, Anália Torres ressalva que há situações positivas e tendências que contrariam esta realidade maioritária. “Há casos que mostram que há também hipótese de as pessoas, através da educação, poderem melhorar a sua situação. É muito mais fácil para os que têm pais com escolaridade elevada chegarem eles próprios a uma escolaridade elevada, mas a escola também pode correr bem aos jovens com pais com escolaridade mais baixa, desde que se foquem”, diz.

A investigadora dá como exemplo que os jovens que aos 13 anos tinham hábitos de leitura, de estudo e de desporto chegaram mais longe nos estudos, independentemente do percurso dos pais. “É como se o esforço da leitura, do estudo e do desporto acabasse por poder compensar o nível de educação”, afirma. Paradoxalmente, estes adolescentes viam tanta televisão e jogavam tanto computador como os que obtiveram piores resultados.

A socióloga adianta que nas entrevistas que fizeram agora aos jovens com 24 anos que estão a tentar perceber em que medida é que foram os próprios alunos a fazer este esforço ou os pais a incentivar – tentando distinguir, por exemplo, os casos em que pais e filhos estudavam juntos. Porém, avança que os resultados preliminares apontam para que a crise tenha “acentuado algumas diferenças”, com mais jovens a deixarem os estudos não por insucesso mas por “necessidade de trabalharem devido a situações de desemprego dos pais”.

Outra tendência interessante identificada está nas diferenças entre rapazes e raparigas. “No grupo de jovens com pais pouco escolarizados são as raparigas que atingem maior nível de escolaridade”, representando dois terços do total. Também "no grupo de jovens cujos pais têm licenciatura ou mais, são os rapazes que encontram maior dificuldade em atingir o mesmo nível de escolaridade”, acrescenta-se. Mas Anália Torres ressalva que na chegada ao mercado de trabalho a realidade inverte-se. “No mercado de trabalho parece que as vantagens das raparigas desaparecem. Estão mais desempregadas e com trabalho a tempo parcial. É como se pudessem vir a ser mães e isso as prejudicasse, o que é uma contradição em relação ao mérito”, lamenta a socióloga.

A este propósito, sublinha que encontraram algumas explicações numa parte em que avaliaram o chamado capital social dos jovens e em que se percebe que as redes de apoio dos rapazes são mais públicas e as das raparigas mais familiares. “Uma das interrogações que fizemos foi ‘onde é que os rapazes compensam se elas estudam mais e se apresentam mais cedo no mercado de trabalho e com mais habilitações?’”, explica, concluindo que “uma das coisas que é muito interessante verificar é que eles fazem o que se chama de mais bridging, ou seja, através do desporto e de redes de conhecimento mais públicas mobilizam contactos de emprego e compensam as falhas em termos de estudo”.

(Romana Borja-Santos, Público, 21 de outubro de 2015)

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